Querem saber como é, sem se importar com o que é.

Te conto o que é. É como uma nuvem cinzenta, carregada, a render dias de chuva intensa. Ela te sobrepõe, te acompanha onde vai, se confunde com as outras nuvens, fazendo somente você reconhecê-la. Os outros não a percebem com facilidade, nem mesmo os que tem suas próprias nuvens. Tamanha intimidade, tamanho vínculo você cria com sua nuvem, a reconhece nos primeiros pingos de chuva.

Quando chove pouco, você percebe de imediato, tenta achar uma marquise, enxuga a fronte com a manga da camisa e começa a forçar a visão. Mas quem o observa, pode julgar que apenas tomou um banho recentemente.

A chuva se intensifica, ainda não há porquê usar guarda-chuvas, você diz. Prossegue caminhando mais depressa, suas necessidades mais urgentes, seu cenho franzido, a visão embaçada, enxerga apenas o que está ao seu redor. Te perguntam, enfim, está chovendo? Mas não incomodemos. Disse-lhe então, não, está tudo bem.

O terceiro estágio, a necessidade de guarda-chuva, o receio de seu uso, você está encharcado e já não há mais como ocultar, a cena tem uma qualidade ridícula, você ri com olhos arregalados, a angústia das meias molhadas, as gotas escorrendo pelo seu rosto. Está tudo bem? Como está encharcado! Sabe que uma vez conheci alguém qu-

Nem ouve o que lhe dizem, sabe que será vazio.

Você está respirando debaixo d'água, sente seus movimentos letárgicos, a dificuldade seguir em frente, a densidade da água.

Você ri, tomado por náusea e diz consigo mesmo
"Se está na chuva, é para se molhar."

I

perdoa a falta do meu sentir
perdoa meu egoísmo em sentir sozinho o faltar
perdoa meu pouco sentir
que sente por educação

II

efêmero o perfume de um desconhecido
que te esbarras na rua
meu eco perpassa teu corpo
dando a acreditar que algum dia foi teu
algo que nem ao menos me pertenceu
mas nessa manhã grudou em minha pele

III

exigi de meu sentir o existir
veja só, fui tolo
acreditei num sentimento
tornei-me um ressentido
que pelo menos sentiu.

 

Ás vezes certos assuntos devem ser discutidos, como por exemplo, as diferentes sensações e satisfações, todas únicas, que sentimos durante a vida, em pequenos detalhes.
Quando acordamos pela manhã completamente renovados, o sol amarelado passando pela janela, mas o vento ainda é frio e sentimos que se nos movermos de maneira brusca, tudo sairá da perfeita sincronia. Ou talvez quando a música que mais precisava ouvir começa a tocar e durante aqueles poucos minutos, é possível sentir tamanha satisfação que parecem ter uma duração diferenciada e você percebe que quando acabar, algo em ti que causava angústia terá desaparecido e em troca, os acordes terão te deixado com a sensação morna de completude.

A forma como as ondas quebram nas pedras do Arpoador, o barulho que fazem, o cheiro salgado que preenche o ar e te faz sentir puro, por alguns momentos deixa de perceber tudo a volta, deixa de pensar e começa a sentir.

Pode não fazer sentido, pode também ser apenas um devaneio da mente, podem ser tantas coisas e também nada. Sensações, detalhes escondidos, uma fração de conforto dentro de um mundo criado para nos desconfortar. Uma fração de ti.